Debate sobre a Taxa de Câmbio no Brasil: UNICAMP X EPGE-FGV

Debate sobre a Taxa de Câmbio no Brasil: UNICAMP X EPGE-FGV
31/03/2011 às 13:00 | Na categoria Noção de Nação, Política Econômica | Deixe um Comentário
Tags: Política Econômica

Pedro C. Ferreira e Renato F. Cardoso são professores do pós graduação da Escola de Economia (EPGE-FGV). Em didático artigo publicado no Valor (29/03/2011), eles defendem a tese de que “o câmbio valorizado veio para ficar”. Como os argumentos em defesa são apresentados de maneira clara, seguindo determinado esquema de raciocínio, é possível definir, precisamente, os pontos de concordância e os discordância no debate entre escolas de pensamento econômico sobre a taxa de câmbio no Brasil.

De início, na leitura do título do artigo, já observei certa discordância. Se a cotação média da moeda estrangeira está (e permanecerá) estável durante longo prazo, teoricamente, os fundamentos determinantes se alteraram. Deixa de ter sentido falar em “câmbio valorizado”. A moeda nacional está apreciada (dado que se adota regime de câmbio flexível) em relação a seus fundamentos atuais?! Ou apenas está se dizendo que a cotação do dólar no Brasil está em nível de preços bem abaixo do que atingiu em outubro de 2002, isto é, há mais de oito anos?

Concordamos, no entanto, a respeito da necessidade de “debate sobre as alternativas de política econômica disponíveis para se deter – ou, pelo menos, retardar – a suposta desindustrialização do país”. Destaco o adjetivo “suposta”.

Identificar as causas da valorização, rigorosamente, da apreciação da moeda brasileira, bem como avaliar se elas tendem a se dissipar no futuro, constituem o primeiro passo para a discussão objetiva do problema por parte dos professores da EPGE-FGV. Valorização da moeda nacional seria ato de vontade da autoridade monetária, operando em defesa de determinada cotação oficial do dólar. Como as forças de mercado também a determinam, trata-se de apreciação.

“A valorização do real, ao longo dos últimos anos, decorre de três fatores principais”, segundo Ferreira & Cardoso. “O primeiro consiste no aumento da confiança dos investidores em relação ao país, iniciada em 1994 com o Plano Real e as privatizações, aprofundada em 2000 com a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas consolidada somente após a constatação, em 2003/4, de que a esquerda, uma vez no poder, havia se convertido – ou resignado – ao pragmatismo do século XXI. A menor percepção de risco atraiu capitais até então temerosos diante das incertezas que grassavam na antiga economia brasileira, apreciando o real”.

Evidentemente, trata-se de um “olhar tucano” em que se interpõe lentes ideológicas entre os olhos e a realidade. É a velha hipótese de que os problemas de 2002 estavam no futuro – eleição de Lula – e não naquele presente e passado recente. Ela isenta de responsabilidade o Governo FHC quanto ao incorreto enfrentamento de crises do México, bancária, da Ásia, da Rússia, overshooting cambial, da Argentina, apagão, terrorismo nos Estados Unidos, marcação a mercado, etc. A última frase do parágrafo acima é verdadeira, pois o “mercado” se encantou pelas mudanças promovidas no Governo Lula. Concordamos que as expectativas dos participantes do mercado de câmbio são influentes na flutuação da taxa.

O segundo fator, apontado pelos professores da EPGE-FGV, foi “a valorização das commodities exportadas pelo país, sobretudo a partir de 2005/6, decorrente das gigantescas importações asiáticas, sobretudo da China”. Estamos também de acordo quanto ao fundamento do superávit no balanço de transações correntes, desde 2003, durante cinco anos seguidos, fenômeno inédito na história econômica brasileira contemporânea.

O terceiro fator consiste na “política monetária expansionista dos países desenvolvidos, implantada a partir da crise de 2008, que aumentou o diferencial entre a taxa de juros brasileira e a internacional, atraindo capitais que valorizam o real”. Concordamos com a importância da paridade entre a taxa de juros como determinante de curto prazo da taxa de câmbio.

Eu não utilizaria os conceitos de “poupança interna X poupança externa” que eles empregam em seguida: “a historicamente baixa poupança doméstica brasileira, fator que leva o país ter uma elevada taxa real de juros e consequente moeda valorizada, não pode ser incluída entre as causas da valorização recente, pois a poupança já era baixa antes da valorização observada nos últimos anos”. Mas a lógica da argumentação está irretocável: algo que não se alterou não pode ser apontado como causa de alteração.

Em seguida, eles demonstram o “racha da oposição”, pois a elite brasileira detesta o populismo. “A maior confiança dos investidores no Brasil veio para ficar. Não sem razão: o eleitor brasileiro já deu todas as demonstrações de que rejeita aventuras. Por exemplo, ignorou a promessa populista de elevação do salário mínimo para R$ 600 do candidato derrotado à presidência”.

Eu não posso deixar de concordar com a descrição fatual do fenomenal crescimento chinês. “Também o fator China se mostra uma realidade de longo prazo. O espantoso crescimento da China resulta de um aumento acelerado da produtividade média do trabalhador chinês decorrente de dois fenômenos. O primeiro é a contínua migração de trabalhadores da agricultura tradicional de baixa produtividade para a indústria de alta produtividade. A agricultura chinesa ainda ocupa 55% de sua população, número semelhante ao observado no Brasil e Coreia em 1950. No mundo desenvolvido, a agricultura ocupa apenas 5% da população (no Brasil 10%), o que sugere haver ainda muito espaço para esse movimento continuar”.

Mas eu discordo do argumento ideológico apresentado em seguida: os liberais defendem que o crescimento chinês é devido a suposta privatização! Esquecem do domínio das instituições públicas, inclusive bancos estatais (Big Four) que representam 2/3 do setor bancário, e do planejamento central ainda vigente. Dizem professores da EPGE-FGV: “O segundo fenômeno que eleva a produtividade média do trabalhador chinês, tanto na indústria como no setor de serviços, são os ganhos de eficiência decorrente da gradual substituição de empresas estatais pelo setor privado. No Brasil, esses dois fenômenos já ocorreram no passado, mas na China podem ainda ter sobrevida por pelo menos duas décadas”.

Entretanto, concordo que os efeitos da mudança na divisão internacional de trabalho são de longo prazo. “A alta produtividade da indústria chinesa não apresenta indícios de reversão. Sinal disso é o fato de o retorno do capital permanecer elevado, diante da incorporação de mais mão de obra oriunda da agricultura, bem como da melhoria da mão de obra já incorporada à indústria e aos serviços em decorrência do aumento da escolaridade. Mantidas as regras do jogo em vigor, a China continuará a crescer aceleradamente, sua renda per capita aproximando-se da de países como a Coreia e Taiwan. Seu apetite por commodities aumentará ainda mais, de modo que as exportações brasileiras de bens primários continuarão crescendo, contribuindo para a valorização do real”.

Também me parece correto deduzir que “dos três fatores elencados acima, somente o terceiro tende a se dissipar com o passar do tempo, pois as economias centrais, que estão começando a sair da recessão, serão forçadas, futuramente, a retomar o controle monetário a fim de conter pressões inflacionárias”. Em outras palavras, a taxa de juros internacional será elevada em relação ao patamar ínfimo atual.

Portanto, não discordamos de que “isso significa que, de agora em diante, o Brasil precisará conviver com uma taxa de câmbio mais valorizada [moeda nacional apreciada] do que no passado, por absoluta falta de alternativa”.

Feito o diagnóstico, os doutores da EPGE-FGV receitam a terapia. Como é praxe, na sabedoria convencional, o medicamento focaliza a agenda microeconômica, onde, aliás, o colega deles, Marcos Lisboa, avançou corretamente no início do Governo Lula. “Nesse novo ambiente de câmbio valorizado, a proteção à indústria brasileira terá que vir de reformas microeconômicas que abrandem a pesada tributação, simplifiquem a complexidade fiscal, reduzam a burocracia, estimulem a poupança doméstica e a inovação, e dinamizem o mercado de trabalho. O que se precisa são de reformas que aumentem a produtividade do setor sem prejudicar o restante da economia, o que ocorreria com aumento das barreiras comerciais ou (mais) subsídios à indústria”. Eu não uso a Teoria de Poupança, mas sim a Teoria do Crédito, isto é, a necessidade de se criar funding de maneira dinâmica, ao longo do tempo futuro.

Eles finalizam o artigo com crítica à receita contumaz dos economistas pós-keynesianos. “Buscar corrigir uma situação de longo prazo, permanente, com medidas recomendadas para choques temporários – acumulação de reservas e controle de capitais, por exemplo – é ineficaz e caro. Já tentamos isto no passado e pagamos um preço altíssimo: a tentativa de crescer a qualquer preço após os choques de petróleo dos anos setenta, ignorando uma mudança estrutural, nos levou a vinte anos de estagnação”. Discordo que se pode deixar o carry-trade e a especulação com câmbio no mercado futuro à solta.

Curiosamente, Mário Henrique Simonsen, ícone da EPGE-FGV, era o Ministro da Fazenda entre 1974 e 1979. Ele tentava frear o “desenvolvimentismo” do Reis Velloso, Ministro do Planejamento, no Governo Geisel. O resultado era “stop-and-go” que levou às duas décadas perdidas depois, devido ao desmanche do Estado desenvolvimentista. Os Governos Lula e Dilma tentam reconstruí-lo sem os vícios do passado.

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