massacre no Iraque

08 de janeiro de 2012 | N° 16940

SEGREDOS REVELADOS

Documentos de um massacre no Iraque

Morte de 24 iraquianos por fuzileiros americanos em 2005 ajudou a consolidar desconfiança

Um a um, os fuzileiros navais se sentaram, juraram dizer a verdade e começaram a conceder entrevistas secretas, discutindo um dos episódios mais horríveis do período americano no Iraque: o massacre de civis iraquianos pelas mãos de marines na cidade de Haditha, em 2005.

– Seja resultado de nossa ação ou de outros, sabe... Encontrar 20 corpos, gargantas cortadas ou sem cabeça, 20 corpos aqui, 20 corpos ali – disse aos investigadores o coronel Thomas Cariker, comandante que estava na província de Anbar na época, enquanto descrevia o caos no Iraque.

As 400 páginas de interrogatórios, antes rigorosamente guardadas como segredos de guerra, deveriam ter sido destruídas enquanto as últimas tropas americanas se preparavam para deixar o Iraque. Em vez disso, elas foram descobertas por um repórter do The New York Times junto a pilhas de outros documentos confidenciais em um ferro-velho nos arredores de Bagdá. Um funcionário estava usando os papéis como combustível para preparar uma carpa defumada para o jantar.

Os documentos – muitos marcados como secretos – são parte da própria investigação militar interna e confirmam a maior parte do que aconteceu em Haditha, uma cidade às margens do Rio Eufrates onde os fuzileiros navais mataram 24 iraquianos, incluindo um homem de 76 anos em uma cadeira de rodas, mulheres e crianças, algumas ainda de colo. Haditha tornou-se um episódio marcante da guerra: ajudou a consolidar a desconfiança entre os iraquianos e um ressentimento porque nenhum fuzileiro foi condenado.

Documentos deveriam ter sido destruídos

Os relatos impressionam por revelarem o estresse extraordinário a que estavam submetidos os soldados que foram enviados para o Iraque – suas frustrações e seus encontros frequentemente dolorosos com uma população que eles não entendiam.

Os depoimentos mostraram que o estresse do combate deixou alguns soldados paralisados. Traumatizados com a violência crescente e se sentindo constantemente cercados, os fuzileiros estavam cada vez mais angustiados, matando mais e mais civis em encontros acidentais. Outros ficaram tão habituados às mortes que atiravam deliberadamente em civis iraquianos, enquanto colegas fotografavam.

As acusações contra seis dos fuzileiros envolvidos no episódio de Haditha foram retiradas; outro foi inocentado, e o último processo contra um fuzileiro naval deve ir a julgamento em 2012.

O coronel Barry Johnson, porta-voz do exército americano no Iraque, depois de saber que os documentos haviam sido encontrados, disse que muitos deles continuam confidenciais e deveriam ter sido destruídos.

Os relatos também mostram a consternação dos marines enquanto lutavam para controlar uma terra pouco familiar, no que acabou se transformando em um constante estado de tensão por conta da semelhanças entre guerrilheiros e não combatentes. Alguns soldados, sentindo que estavam sendo constantemente atacados, decidiram atirar primeiro e perguntar depois. Os motoristas que se aproximavam dos postos de checagem sem parar eram considerados homens-bomba.

Essa era a atmosfera em 2005, quando os fuzileiros da Companhia K do Terceiro Batalhão do Primeiro Regimento de Fuzileiros Navais de Camp Pendleton, na Califórnia, chegaram a Haditha. A região havia se transformado em um bastião para sunitas e guerrilheiros que queriam matar o máximo possível de americanos. Das 4.483 mortes de americanos no Iraque, 1.335 aconteceram em Anbar.

Tudo isso abriu caminho para o que aconteceu em Haditha em 19 de novembro de 2005. Naquela manhã, um comboio de quatro veículos estava a caminho de um posto militar na cidade quando um dos carros foi atingido por uma bomba à beira da estrada.

Vários fuzileiros saíram em socorro aos feridos, incluindo um que veio a morrer, enquanto outros procuraram rebeldes que poderiam ter fabricado a bomba. Dentro de algumas horas, 24 iraquianos foram mortos.

Os documentos foram empilhados em veículos e levados ao ferro-velho por uma empresa que tentava vender o que havia sobrado nas bases americanas. Um funcionário contou que, por semanas, queimou dezenas de pastas, transformando em cinzas mais histórias não contadas da guerra.

MICHAEL S. SCHMIDT | The New York Times/Bagdá

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog