Sem BNDES, Brasil não financiava sua indústria, diz economista
É o que diz o keynesiano Jan Kregel que discute o desenvolvimento econômico da AL
SÃO PAULO — O economista americano Jan Kregel, professor da Universidade do Missouri, disse em entrevista ao GLOBO que se o Brasil tivesse um controle mais efetivo do capital financeiro, o país poderia sofrer menos os impactos da crise europeia e da desaceleração da economia chinesa. O resultado seria uma taxa de câmbio menos apreciada, diz o economista. Kregel, um dos principais acadêmicos keynesianos dos Estados Unidos, avalia que se o BNDES não existisse, o Brasil praticamente não teria nenhum financiamento de longo prazo para desenvolver sua indústria.
O americano afirma ainda que o capital financeiro, ao contrário de contribuir para o desenvolvimento, tem sido um fator de desestabilização do país e das economias da América Latina, nos últimos anos:
— O capital especulativo só trouxe riqueza para gente do próprio mercado financeiro.
Kregel chega a São Paulo, nesta terça-feira, para participar do Programa Avançado de Reavaliação de Macroeconomia e Desenvolvimento da América Latina (Laporde, na sigla em inglês), um programa de debates sobre os novos rumos do desenvolvimento da América Latina, organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Ordem dos Economistas do Brasil. O tema do economista no congresso será
O GLOBO: Qual será o impacto da crise europeia e da desaceleração da economia chinesa para o Brasil e o demais países da América Latina?
JAN KREGEL: O impacto virá principalmente da queda da demanda da China por produtos agroindustriais da América Latina. A China já enfrenta problemas como queda na produção industrial e baixa no preço dos imóveis. A Europa também vai sofrer com a desaceleração chinesa, já que o país é o principal mercado de exportação para os europeus. Além disso, muitas economias latinoamericanas já sofrem com taxas de câmbio sobrevalorizadas e haverá uma deterioração dos saldos externos.
O GLOBO: O que os países latinoamericanos poderiam fazer para minimizar os impactos da crise?
KREGEL: O controle sobre o capital financeiro é necessário para que os países latinoamericanos administrem a taxa de câmbio e retenham competitividade. Além disso, a maioria dos países da região não tomou nenhuma atitude para fortalecer ou expandir seu mercado interno e tornou-se mais exposta aos ciclos internacionais e ao capital externo. América Central e México ainda têm excessiva dependência dos EUA para exportação. A América do Sul já não é tão dependente dos americanos para exportação, mas tem dependência financeira. O Brasil poderia escapar dos efeitos diretos da crise se tivesse um mercado consumidor mais forte. A América Latina também precisa de políticas mais agressivas para melhorar o equilíbrio entre a produção da indústria e a produção agrícola em suas economias. O Brasil tem feito isso, mas não avançou no controle de capitais financeiros.
O GLOBO: Por que o senhor defende o controle de capitais financeiros?
KREGEL: Não há nenhuma evidência teórica ou estatística que a abertura financeira dos mercados latinoamericanos tenha produzido ganhos ao emprego ou na renda real das pessoas. Os ganhos têm sido principalmente para quem trabalha no setor financeiro. As perdas ficaram com a economia real. No Brasil, por exemplo, houve perdas nos últimos anos para empresas. A Sadia perdeu milhões para cobrir cotratos futuros de dólar (usados para se proteger de variações cambiais) e a Aracruz teve prejuízo de bilhões pelo mesmo motivo. Havia, aparentemente, mais de cem empresas em posições semelhantes com contratos de derivativos para compensar o impacto da enorme valorização da taxa de câmbio causada pelo aumento deste capital especulativo.
O GLOBO: Mas o mercado de capitais não tem a função de desenvolver a indústria?
KREGEL: Sim, essa é a função do mercado de capitais. Mas esse capital que está chegando está à procura de ganhos de curto prazo, seja pela taxa de juro ou pela variação do câmbio. Esse capital não tem nenhum interesse no desenvolvimento de longo prazo da indústria nacional. Quanto mais forte a entrada de capitais especulativos, menos eficiente é a capacidade de um país de desenvolver um mercado de capitais doméstico. Se o BNDES não existisse o Brasil não teria tido praticamente nenhum financiamento de longo prazo para desenvolver sua indústria.
O GLOBO: Nesse caso, o senhor acha que o capital financeiro está sendo um fator de desestabilização das economias da América Latina e do Brasil?
KREGEL: Isso me parece muito claro a partir da experiência da década perdida dos anos 1980. Começou com a crise mexicana, depois veio a crise asiática, da Rússia e a crise cambial brasileira na década de 1990. Em seguida, veio o colapso da Argentina.
O GLOBO: O Brasil ainda tem a taxa de juro mais alta do mundo. Sem reduzi-la o país não pode iniciar um círculo virtuoso?
KREGEL: Com juro alto, o Brasil não pode evitar a excessiva entrada de capital financeiro e a taxa de câmbio sobrevalorizada que penaliza a indústria. O Banco Central, sob o comando do seu novo presidente, tem estado muito mais disposto a operar uma política de taxas de juros mais flexível. Não há nenhuma razão para que não possa fazer mais.
O americano afirma ainda que o capital financeiro, ao contrário de contribuir para o desenvolvimento, tem sido um fator de desestabilização do país e das economias da América Latina, nos últimos anos:
— O capital especulativo só trouxe riqueza para gente do próprio mercado financeiro.
Kregel chega a São Paulo, nesta terça-feira, para participar do Programa Avançado de Reavaliação de Macroeconomia e Desenvolvimento da América Latina (Laporde, na sigla em inglês), um programa de debates sobre os novos rumos do desenvolvimento da América Latina, organizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Ordem dos Economistas do Brasil. O tema do economista no congresso será
O GLOBO: Qual será o impacto da crise europeia e da desaceleração da economia chinesa para o Brasil e o demais países da América Latina?
JAN KREGEL: O impacto virá principalmente da queda da demanda da China por produtos agroindustriais da América Latina. A China já enfrenta problemas como queda na produção industrial e baixa no preço dos imóveis. A Europa também vai sofrer com a desaceleração chinesa, já que o país é o principal mercado de exportação para os europeus. Além disso, muitas economias latinoamericanas já sofrem com taxas de câmbio sobrevalorizadas e haverá uma deterioração dos saldos externos.
O GLOBO: O que os países latinoamericanos poderiam fazer para minimizar os impactos da crise?
KREGEL: O controle sobre o capital financeiro é necessário para que os países latinoamericanos administrem a taxa de câmbio e retenham competitividade. Além disso, a maioria dos países da região não tomou nenhuma atitude para fortalecer ou expandir seu mercado interno e tornou-se mais exposta aos ciclos internacionais e ao capital externo. América Central e México ainda têm excessiva dependência dos EUA para exportação. A América do Sul já não é tão dependente dos americanos para exportação, mas tem dependência financeira. O Brasil poderia escapar dos efeitos diretos da crise se tivesse um mercado consumidor mais forte. A América Latina também precisa de políticas mais agressivas para melhorar o equilíbrio entre a produção da indústria e a produção agrícola em suas economias. O Brasil tem feito isso, mas não avançou no controle de capitais financeiros.
O GLOBO: Por que o senhor defende o controle de capitais financeiros?
KREGEL: Não há nenhuma evidência teórica ou estatística que a abertura financeira dos mercados latinoamericanos tenha produzido ganhos ao emprego ou na renda real das pessoas. Os ganhos têm sido principalmente para quem trabalha no setor financeiro. As perdas ficaram com a economia real. No Brasil, por exemplo, houve perdas nos últimos anos para empresas. A Sadia perdeu milhões para cobrir cotratos futuros de dólar (usados para se proteger de variações cambiais) e a Aracruz teve prejuízo de bilhões pelo mesmo motivo. Havia, aparentemente, mais de cem empresas em posições semelhantes com contratos de derivativos para compensar o impacto da enorme valorização da taxa de câmbio causada pelo aumento deste capital especulativo.
O GLOBO: Mas o mercado de capitais não tem a função de desenvolver a indústria?
KREGEL: Sim, essa é a função do mercado de capitais. Mas esse capital que está chegando está à procura de ganhos de curto prazo, seja pela taxa de juro ou pela variação do câmbio. Esse capital não tem nenhum interesse no desenvolvimento de longo prazo da indústria nacional. Quanto mais forte a entrada de capitais especulativos, menos eficiente é a capacidade de um país de desenvolver um mercado de capitais doméstico. Se o BNDES não existisse o Brasil não teria tido praticamente nenhum financiamento de longo prazo para desenvolver sua indústria.
O GLOBO: Nesse caso, o senhor acha que o capital financeiro está sendo um fator de desestabilização das economias da América Latina e do Brasil?
KREGEL: Isso me parece muito claro a partir da experiência da década perdida dos anos 1980. Começou com a crise mexicana, depois veio a crise asiática, da Rússia e a crise cambial brasileira na década de 1990. Em seguida, veio o colapso da Argentina.
O GLOBO: O Brasil ainda tem a taxa de juro mais alta do mundo. Sem reduzi-la o país não pode iniciar um círculo virtuoso?
KREGEL: Com juro alto, o Brasil não pode evitar a excessiva entrada de capital financeiro e a taxa de câmbio sobrevalorizada que penaliza a indústria. O Banco Central, sob o comando do seu novo presidente, tem estado muito mais disposto a operar uma política de taxas de juros mais flexível. Não há nenhuma razão para que não possa fazer mais.
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