A GUERRA CAMBIAL E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
A GUERRA CAMBIAL E O CRESCIMENTO ECONÔMICO
Por prismajrRodrigo Alves Teixeira*
Um dos temas da macroeconomia internacional mais discutidos no momento é o que o ministro Guido Mantega chamou de “guerra cambial”.A expressão refere-se à onda de depreciações das moedas de vários países, mas principalmente do dólar, relativamente às demais moedas. Isto acaba por baratear as exportações de bens e serviços destes países, porém em detrimento dos demais, que verificam redução das suas exportações e aumento das importações, podendo conduzi-los a déficits comerciais.
A desvalorização cambial, em vários momentos históricos, foi utilizada como instrumento de competição comercial. Por exemplo, um dos fatores que impediram a retomada do padrão-ouro – arranjo monetário internacional pelo qual os países deveriam manter taxas de câmbio fixas, ou seja, uma paridade fixa entre suas moedas e o ouro – após a Primeira Guerra Mundial, foi o fato de as economias européias, que necessitavam se reconstruir após a devastação do conflito, utilizarem amplamente a emissão monetária e a desvalorização de suas moedas para auxiliar as exportações e impulsionar a atividade econômica.
O Brasil também, durante o seu processo de industrialização, utilizou amplamente a política cambial para promover exportações e restringir importações, deslocando a demanda de bens industrializados para a produção doméstica. O mesmo pode ser dito a respeito da China, que tem um regime de câmbio administrado visando manter o yuan desvalorizado para incentivar as exportações. Assim, são vários os episódios em que os países utilizam a taxa de câmbio como instrumento para incentivar o crescimento de suas economias.
A novidade no momento atual é que, ao contrário das crises que vimos na década de 90 e início da década passada, quando algumas crises financeiras acometeram os chamados “mercados emergentes”, o epicentro da crise atual foi a maior economia do mundo e afetou principalmente os países desenvolvidos. Assim, enquanto nas crises em países emergentes (cujas moedas têm baixo peso nos fluxos internacionais de bens e capitais), ocorriam desvalorizações pontuais de moedas que incomodavam apenas seus parceiros comerciais mais importantes (que freqüentemente eram contagiados pelas crises cambiais de seus vizinhos), a crise atual, que afeta tanto o dólar como o euro, as duas moedas mais importantes do mundo, incomoda muita gente. Em especial, é um incômodo para os países emergentes, que já sofrem pela redução de suas exportações devido à queda da renda dos países ricos com a crise, e agora sofrem um novo golpe também pela tendência de desvalorização do euro e do dólar que encarece suas exportações.
Daí o fato de na última reunião do G20, que reúne as economias em desenvolvimento, a chamada “guerra cambial” ter sido destaque. A rigor, o termo “guerra cambial” deve ser tomado com cautela, pois ele implicaria uma deliberada intervenção dos bancos centrais visando desvalorizar suas moedas, ao passo que o movimento de depreciação do dólar e do euro que tem ocorrido é uma conseqüência direta do esforço de recuperação destas economias diante da crise, que indiretamente afeta o câmbio. Isto se dá pelo uso da política monetária expansionista, ou seja, aumento da emissão de moeda e redução das taxas de juros para estimular a atividade econômica, o que inevitavelmente leva à depreciação de suas moedas.
Assim, o mundo tem presenciado um conflito aberto entre EUA e China a respeito da “guerra cambial”. Os EUA reivindicam que os chineses parem de intervir no câmbio, ou seja, que parem de acumular reservas em dólar, deixando o yuan se valorizar. Os chineses, entretanto, temendo maior desaceleração do seu crescimento, em grande medida impulsionado por uma política exportadora, têm apresentado resistência. Isto porque não querem “importar a recessão” dos países desenvolvidos, e pretendem continuar crescendo a taxas elevadas, dando continuidade ao relativo “descolamento” das economias em desenvolvimento, que se recuperaram mais rapidamente e continuam crescendo apesar da lentidão do mundo desenvolvido em retomar o crescimento.
O fato de o Brasil ter se posicionado de maneira firme com relação a este assunto reflete a atual situação da economia brasileira. O Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise mundial, e este ano já deve crescer mais de 7%. Entretanto, o real tem se valorizado ante o dólar e o euro, e de forma mais rápida que outras moedas de países emergentes, levando os analistas a se preocuparem com a sustentabilidade deste crescimento devido ao déficit em transações correntes, o que significa que o país só pode manter um crescimento rápido com o recurso à poupança externa. Esta tem sido abundante, graças ao baixo risco do país – que recebeu o “investment grade” das agências de classificação de risco – , da elevada taxa de juros doméstica, que amplia o diferencial entre a taxa de juros paga pelos títulos domésticos e a paga pelos títulos estrangeiros e assim atrai investimentos em carteira. E, por fim, outro fator que atrai capitais para o país é a falta de oportunidades rentáveis de aplicação da poupança nos países desenvolvidos devido às baixas perspectivas de crescimento com a crise, que contrasta com o otimismo a respeito do crescimento brasileiro. Tudo isso tem conduzido a uma enxurrada de capitais para o país, que contribui para manter o real apreciado. Daí a resposta brasileira nas últimas semanas com o aumento do IOF sobre os capitais estrangeiros, que busca conter a sua entrada.
Entretanto, medidas unilaterais como a do aumento do IOF sabidamente têm apenas um efeito paliativo, ela não tem poder de afetar de maneira duradoura a tendência de apreciação do real, que vai continuar enquanto a nossa taxa de juros for elevada e a dos países desenvolvidos for próxima de zero. Assim, se as discussões sobre um acordo multilateral para regular as taxas de câmbio não forem frutíferas, como parece que não serão, o país se depara com dois caminhos possíveis. No primeiro, pode optar por seguir convivendo com o câmbio sobrevalorizado e déficits em transações correntes, voltando-se para o mercado interno. Mas neste caso tem o risco da dependência da poupança externa para manter o crescimento econômico, estratégia que é arriscada em um mundo de fluxos de capital altamente voláteis. No segundo, adota uma postura mais agressiva com relação à taxa de câmbio, buscando desvalorizar o real para incentivar suas exportações. Neste caso, ainda há duas opções possíveis: ter uma postura menos conservadora na política monetária e reduzir a taxa de juros para conter a entrada de capitais, ou aumentar as intervenções no mercado de câmbio, aumentando as reservas internacionais. Esta última solução, entretanto, tem um elevado custo, visto que o Banco Central tem que esterilizar o aumento da base monetária, que advém das compras de dólar, com as vendas de títulos da dívida pública, resultando num alto custo já que ele acumula ativos denominados em dólar, com juros próximos de zero, e vende títulos da dívida pública que pagam a elevada taxa de juros doméstica.
Assim, os esforços agora devem se concentrar na redução da taxa de juros, que será fundamental na continuidade do crescimento econômico sustentado.
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*Professor do Departamento de Economia da PUC-SP
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